sábado, 29 de março de 2008

O texto que segue não é meu, é de Paulo Freire, um de meus arquétipos do intelectual iluminado. Vale por si só e traduz o que quero sempre introjetar em minha alma pensativa.

“Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.

Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais.

Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura.

Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo.

Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza.

Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste.

Boniteza que se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar”.
(Paulo Freire, 1996)

terça-feira, 18 de março de 2008

Amélia

Tu és campo semeado.
Fruta mordida por entes ancestrais.
Quase verso cansado em busca de chave de ouro,
Quase esboço carente de acabamento e inflexão.

União inconstante das dádivas divinas ,
Campo fértil e furioso das incertezas bailarinas.


Luminosa na essência,
Porém, partilha das crisálidas como forma.
Refina o acabamento da lagarta
Sem, no entanto, perceber que voa com o esmero das borboletas.

terça-feira, 4 de março de 2008

Delírio nº 54 – Conexões Desintegradas


Quantos medos te roubaram?

Frios dosséis ornamentando o que não se afirma nem se esvai,

Usufrutos desconexos de alianças vadias,

Torturando o medo que ainda lhe parece o melhor ungüento.


Seria a dor uma forma elegante de suportar a existência?

Talvez o rastro ígneo de nós mesmos seja um átimo de desatino que liberta um veio lírico,

Fincando os sonhos que insistem em revoar das planícies de nossas crenças.

Pois, para toda dor, os deuses nos doaram grãos surdos de poesia... Despertá-los.

André Luis Santos

Delírio nº53- Para um beija-flor sorrindo


Tú és parte essencial dos desígnios numinosos.
Círculo, laço,
compasso perfeito de minhas composições...
distrações... profusões...
Artifício-artefato de Dionísio (ou de Afrodite?)
para me plantar em meio ao jardim das musas.
Por entre acácias, cravos e alecrins
sorvo o aroma onírico e almiscarado que jorra de tua presença,
já não mais casual e calculada, devo dizer-te.
Sobretudo, tua-minha onipresença:
Arraigada.


André Luis Santos

sábado, 1 de março de 2008

Ode ao baú*


Um dia o organismo incompleto sentiu saudade do ritmo coroado de batuque e dor.
Fruto embasbacado do êxtase fugitivo de arcanjos com a tez de azeviche.
Eram as comportas do céu que, incansavelmente, se abriram para exalar o perfume dos jasmins carregados em estandartes de restauração.
Junto a eles as gotas vadias de poesia caíram sobre o povo resgatando os cantos pioneiros que se mesclaram ao ronco libertino do tambor.
Evoé, o brado do poeta ressurgiu em meio ao mar de desencanto que inexoravelmente torturava a alma livre do samba.
Mil pandeiros reergueram-se com fervor, ritmando a sinfonia que naquele palco se instalava. O chamamento da vida, reclamando a arte. O chamamento da arte reclamando o brilho. O consentimento da sorte, acendendo a chama. A luta de arautos impulsionando o sonho.
Sonhos de alfaiates, cartolas , sargentos, candeias e outros tantos sonhados em pleno flamejar.
Chamas de frutos forjados no fogo doce da persistência e do suor, jorrando da lava que flui do peito de quem insiste em caminhar pela raiz.
Flui baú que teu segredo é impulsionar o grito dos sonhos quase cessados, mas nunca esquecidos, das flores que exalam perfumes de resgate e tradição.
Evoé, musicalidade brasileira.
Evoé, Samba do baú.
André Luis Santos
* Samba do Baú é um projeto cultural paulistano formado por jovens músicos que tem o intuito de resgatar o samba tradicional e de raiz dentro da cultura brasileira.