quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A sina doída das sílabas

(Todo) o escrever partilha de um vício repentino.

A pena cinge a folha com gotas plenas de poesia

E a folha responde com o fulgor orgástico

De um baú memorável sorvendo acácias.


O aroma exalado desse encontro

Leva o sorriso do poeta ao delírio bailarino

Dos deuses que pernoitam no firmamento.


Desvencilhar-se dos medos!

Despertar.


Sorrir!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Pequena


Tu és rosa cativada
Partidária do segredo da divina arte de embelecer
Detentora do grito oculto que aflora furioso em meu peito.
Quanto tu te vais, é como se algo de meu fosse contigo.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Vislumbre

Vítreas visões voam velozes
vagando vadias por vias vorazes.

O filtro vadio me viu falhar,
o dia vazio me viu sonhar.

O Ponto

O ponto guarda em si
Certo arremedo de infinitude.
Indefinido por natureza,
finge figurar limite imaginário
para idéias peregrinas.

Limite?

Fluxos são apenas fluxos.
Pontos? São quase sempre
mais do que pontos.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Ensaio para uma Ressurreição

Mil medos aportam em teus seios cansados.
Queres, em vão, educar o brio e reconectar os sentidos.
Mas, já não podes sentir o mesmo juvenil anseio.
Pois, realidade e rotina, musas clandestinas,
Mataram teus devaneios e sonhos por antecipação.

Julgas que não podes mais caminhar.
Erra em teus joelhos cansados de suportar
O peso inconveniente de lutar por aquilo em que não se crê.
Educar ainda é um sonho, talvez plasmar o medo
Como arma de renúncia seja apenas uma efêmera ilusão.

Transmutar-se? Eis a tortuosa questão.

André Luis Santos

sábado, 29 de março de 2008

O texto que segue não é meu, é de Paulo Freire, um de meus arquétipos do intelectual iluminado. Vale por si só e traduz o que quero sempre introjetar em minha alma pensativa.

“Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.

Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais.

Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura.

Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo.

Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza.

Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste.

Boniteza que se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar”.
(Paulo Freire, 1996)

terça-feira, 18 de março de 2008

Amélia

Tu és campo semeado.
Fruta mordida por entes ancestrais.
Quase verso cansado em busca de chave de ouro,
Quase esboço carente de acabamento e inflexão.

União inconstante das dádivas divinas ,
Campo fértil e furioso das incertezas bailarinas.


Luminosa na essência,
Porém, partilha das crisálidas como forma.
Refina o acabamento da lagarta
Sem, no entanto, perceber que voa com o esmero das borboletas.

terça-feira, 4 de março de 2008

Delírio nº 54 – Conexões Desintegradas


Quantos medos te roubaram?

Frios dosséis ornamentando o que não se afirma nem se esvai,

Usufrutos desconexos de alianças vadias,

Torturando o medo que ainda lhe parece o melhor ungüento.


Seria a dor uma forma elegante de suportar a existência?

Talvez o rastro ígneo de nós mesmos seja um átimo de desatino que liberta um veio lírico,

Fincando os sonhos que insistem em revoar das planícies de nossas crenças.

Pois, para toda dor, os deuses nos doaram grãos surdos de poesia... Despertá-los.

André Luis Santos

Delírio nº53- Para um beija-flor sorrindo


Tú és parte essencial dos desígnios numinosos.
Círculo, laço,
compasso perfeito de minhas composições...
distrações... profusões...
Artifício-artefato de Dionísio (ou de Afrodite?)
para me plantar em meio ao jardim das musas.
Por entre acácias, cravos e alecrins
sorvo o aroma onírico e almiscarado que jorra de tua presença,
já não mais casual e calculada, devo dizer-te.
Sobretudo, tua-minha onipresença:
Arraigada.


André Luis Santos

sábado, 1 de março de 2008

Ode ao baú*


Um dia o organismo incompleto sentiu saudade do ritmo coroado de batuque e dor.
Fruto embasbacado do êxtase fugitivo de arcanjos com a tez de azeviche.
Eram as comportas do céu que, incansavelmente, se abriram para exalar o perfume dos jasmins carregados em estandartes de restauração.
Junto a eles as gotas vadias de poesia caíram sobre o povo resgatando os cantos pioneiros que se mesclaram ao ronco libertino do tambor.
Evoé, o brado do poeta ressurgiu em meio ao mar de desencanto que inexoravelmente torturava a alma livre do samba.
Mil pandeiros reergueram-se com fervor, ritmando a sinfonia que naquele palco se instalava. O chamamento da vida, reclamando a arte. O chamamento da arte reclamando o brilho. O consentimento da sorte, acendendo a chama. A luta de arautos impulsionando o sonho.
Sonhos de alfaiates, cartolas , sargentos, candeias e outros tantos sonhados em pleno flamejar.
Chamas de frutos forjados no fogo doce da persistência e do suor, jorrando da lava que flui do peito de quem insiste em caminhar pela raiz.
Flui baú que teu segredo é impulsionar o grito dos sonhos quase cessados, mas nunca esquecidos, das flores que exalam perfumes de resgate e tradição.
Evoé, musicalidade brasileira.
Evoé, Samba do baú.
André Luis Santos
* Samba do Baú é um projeto cultural paulistano formado por jovens músicos que tem o intuito de resgatar o samba tradicional e de raiz dentro da cultura brasileira.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Resquícios

Tu és pétala desgarrada.

Semente que germina...

Descontente pelo desencontro em tua flor

Choras pois não é botão,

Tão pouco és rosa.

És na verdade amor que flutua bailarino

Ou dor que seca venenosa?


André Luis Santos

De Fatos e constatações

Crítica à reportagem sobre a falta de professores exibida no jornal televisivo SPTV do dia 13/12/2007

Por André Luis P. dos Santos

É estranho como a parcialidade impera quando o assunto educação é tratado em nosso país. Acabo de assistir a reportagem sobre a ausência massiva de professores na rede e acredito que a situação não esteja muito bem colocada. É fato que haja um número excessivo de faltas por parte de alguns colegas. No entanto, o processo educacional está envolto em um número elevado de fatores que determinam a sua eficácia.

Sou professor da rede há quase 10 anos, sou assíduo e vejo, na escola em que trabalho, uma série de pessoas que possuem uma postura semelhante a minha. É estranho redigir-se uma matéria jornalística em que não se aprofunda devidamente a questão, permanecendo na superfície. Quanto às salas superlotadas, não se pede providências. Quanto à indisciplina e a violência, não se pedem providências. Quanto ao descaso da família, não se pede providências. Quanto à valorização do profissional ,não se pede providências. Quanto ao fato de que a mídia televisa e radiofônica, em sua grande maioria, desestimula a busca pelo conhecimento, oferecendo fórmulas de fácil deglutição que não necessitam da mediação intelectual para serem absorvidas, não se pede providências.

Nós últimos anos, vi uma série de colegas adoecerem, ensandecer e até perderem as suas vidas dentro da sala de aula. Essas coisas não permeiam as telas da TV. São pequenos dramas pessoais que se acumulam amiúde. Pessoas dignas que muitas vezes enfrentam jornadas de 15 aulas por dia, despertando com os primeiros raios de sol e adormecendo quando a lua já vai alta. Muitos renegam sua vida social em favor do trabalho e perdem-se em seus relacionamentos por falta de qualidade de vida. Por que não se fala do imenso número de enfermidades e problemas psicológicos que afligem os profissionais da rede? São questão que deveriam fundamentalmente ser tratadas em uma reportagem como essa.

Baudelaire, Pessoa, Machado, Einstein, os clássicos são complicados demais, não é? Não tenho o costume de subestimar os adolescentes que educo. Meus educandos acabaram de ler o Banquete de Platão. Os do 2º ano leram alguns textos de Freud. Muitos apreenderam o que foi proposto, outros fugiram pela tangente. Mas, certamente ninguém passou com indiferença por essa experiência. O conhecimento fluiu e os objetivos foram atingidos.

Causa-me certo incômodo este tipo de generalização. Há profissionais competentes e entusiasmados dentro da rede. Profissionais que se tornam mal vistos por conta de reportagens parciais como essa. Logo após a exibição da mesma, houve a chamada do quadro profissão repórter. Não sei se foi proposital. Entretanto é irônico que, logo após uma reportagem que supostamente cobra atitudes por parte do governo em relação à educação, se mostre o quanto o brasileiro gostaria de ser famoso. O fato é que irrefletidamente nenhuma das situações citadas pressupõe que as pessoas podem ser famosas pelo que elas pensam, mas simplesmente por um talento natural ou exercitado que dispensa elucubrações mais profundas. A cultura como objeto de desejo está morrendo em nosso país. A escola tenta resgatá-la e relacioná-la com o cotidiano das pessoas. Mas parece que vivemos em um país em que vale mais quem rebola do que quem conhece. É óbvio que isto perpassa as perspectivas, pensamentos e anseios de nossas crianças. Enquanto as pessoas não perceberem que a educação está como está por culpa do coletivo, sairemos apontando para todos os lados enquanto novos projetos mirabolantes surgem a cada novo gestor. Seriedade, respeito, valorização e principalmente comprometimento é o que falta por parte da sociedade como um todo.